sábado, 15 de outubro de 2011

. As limitações do método instrospetivo

Ainda que seja muito útil na vida de todos os dias - convém que paremos de quando em vez e nos ouçamos a nós mesmos -, a verdade é que como método científico a introspeção deixa muito a desejar. O maior problema é, desde logo, o seguinte: a objetividade requer distância, isto é, o observador deve poder olhar de fora para o objeto observado, de modo a poder vê-lo de todas as perspetivas e sem ideias prévias, o que não acontece quando fazemos introspeção, uma vez que o observador coincide com o objeto observado. E isto por uma razão muito simples: não podemos deixar de ser nós próprios, com as ideias que temos sobre nós mesmos, e observarmo-nos como se de um objeto exterior se tratasse. Além desta razão principal, o método instrospetivo revela outras fragilidades ou limitações:


1. só o sujeito da introspeção tem acesso à sua experiência interna, o que lhe "passa pela cabeça" não pode ser observado do exterior e ser controlado por outro observador;


2. nem todos os sujeitos conseguem descrever o que estão a sentir ou a processar mentalmente, isto é, a introspeção depende da linguagem;


3. as crianças, alguns doentes mentais, assim como os animais, não podem introspecionar;


4. há experiências psicológicas, como a ira que nos põe fora de controlo, que não são compatíveis com a introspeção: uma pessoa irritada nunca terá a calma necessária para descrever o que sente;


5. só analisa os processos conscientes, aqueles de que temos uma ideia. Isto é um problema porque os processos conscientes só são uma parte dos processos mentais, como veremos também existem processos inconscientes, e estes não são auto-observáveis, exatamente porque não temos consciência deles;


6. quando tomamos consciência de um estado psicológico já estamos a modificá-lo, trata-se já do modo como encaramos esse estado e não no seu estado puro. Em bom rigor, não há introspeção, mas retrospeção, uma vez que há um hiato entre o processo e a sua descrição.


William James, outro pioneiro da Psicologia enquanto disciplina autónoma, foi um dos primeiros a criticar o método introspetivo e a teoria de Wundt. Vê o vídeo que se segue, exatamente sobre o desacordo entre os dois investigadores:


. Wundt e o 1º laboratório de Psicologia Experimental



Nem sempre se pensou, como hoje, que a objetividade não é o mais importante em Psicologia. Quando esta se emancipou da Filosofia, de onde provinha, ainda não se falava de Ciências Humanas, e o modelo era o das Ciências Exatas. Estávamos nos finais do século XIX e o positivismo reinava, segundo o qual o conhecimento válido terá de ser rigoroso e objectivo. Daí que os primeiros investigadores se tenham concentrado nisso mesmo, aproximar a Psicologia dos métodos de trabalho das outras ciências. E isto implicava três coisas:


1. definir o seu objeto de estudo;


2. assegurar que o seu objeto de estudo pode ser estudado objetivamente;


3. utilizar um método rigoroso, o experimental, que garanta a objetividade.


O primeiro a investir neste sentido foi Wundt, médico de formação, que em 1879 fundou em Leipzig o primeiro Laboratório de Psicologia Experimental. Wundt considerava que o objeto de estudo da Psicologia era a consciência, que poderia ser decomposta nos seus elementos mais simples, as sensações, à semelhança das moléculas decomponíveis em átomos (a Química era a referência). Esta ideia de que a consciência e os processos mentais são uma associação de sensações, que depois poderão ser "observadas" isoladamente como se de átomos se tratasse, fez com que a sua teoria fosse conhecida por associacionismo.


Para isolar e registar as sensações de modo a estudá-las objetivamente Wundt recorreu ao método introspetivo. A introspeção é um processo relativamente simples a que recorremos todos os dias e muitas vezes sem pensar que estamos a fazê-lo: trata-se de nos "voltarmos para dentro de nós mesmos" e dar conta do que nos está a passar pela cabeça, que estamos a pensar ou a sentir... A diferença é que enquanto nós o fazemos espontaneamente, isto é, quando damos por nós estamos a pensar no que nos vai pela cabeça, Wundt o fazia de modo sistemático e controlado no seu laboratório: observadores treinados eram convidados a descrever as suas sensações face a uma situação experimental que ele próprio estabelecia. Por exemplo, pedia aos seus colaboradores que registassem de forma rigorosa e quantitativa, as sensações provocadas pela mastigação de um amendoim ou pela audição de sons repetitivos... como veremos de seguida, um método muito discutível!


quarta-feira, 5 de outubro de 2011

. A "Objetividade" na Psicologia




A objetividade é o sonho de qualquer ciência, mas isso nem sempre é possível! Claro que para um matemático ou físico isso não é um grande problema, o teorema de pitágoras e a lei da gravidade são uma evidência universal, mesmo que exista quem não queira acreditar nisso (há gente para tudo!), todos os corpos tendem para o centro da terra e assim continuará a ser (bom...às vezes os cientistas também se enganam!). Para um Psicólogo, porém, já o mesmo não pode ser dito. A Psicologia faz parta das chamadas Ciências Sociais e Humanas, isto é, aquilo que o homem é enquanto ser histórico - a sociedade do século XXI é diferente da sociedade medieval - e cultural - a cultura islâmica pouco ou nada tem a ver com a cultura nórdica - também lhe interessa. Quer isto dizer que a Psicologia não pode estabelecer leis universais, isto é, que valham para todos como acontece nas ciências exactas, uma vez que aquilo que somos individual e culturalmente interessa para compreender os nossos processos mentais e comportamentos - nascer e crescer numa tribo da amazónia não é o mesmo que crescer num condomínio privado de cascais -. Melhor: na Psicologia o ser humano é simultaneamente sujeito e objecto do conhecimento, e isso faz com que aobjectividade permaneça um sonho inatingível.

. Do "senso comum" ao "conhecimento científico"




Quando olhamos à nossa volta, às vezes sem nos darmos conta disso, registamos uma série de informações com o auxílio dos nossos orgãos sensoriais: visão, audião, tato, olfato e paladar. Ao conhecimento daí proveniente, mais aquele que herdamos culturalmente e vamos adquirindo ao longo do processo de socialização - as tradições, os hábitos, os costumes, os valores -, atribui-se o nome de senso comum. Um conhecimento superficial e subjectivo, portanto, além de relativo. Superficial, porque resulta do contacto directo com a realidade, baseado nos sentidos, na maioria das vezes sem tempo para pensar no que estamos a registar, trata-se de um registo passivo que não vai para lá das aparências. Subjectivo, porque resulta da percepção sensorial de cada um, isto é, varia de sujeito para sujeito em função das suas capacidades físicas, sem intervenção da razão. Relativo, porque as sociedades e as culturas são diferentes, organizam-se e assentam em regras diferentes, daí que varie de cultura para cultura e de sociedade para sociedade - o que é considerado correcto na cultura x não é necessariamente correcto na cultura y -.


Ainda que o senso comum seja muito útil para a vida de todos os dias - é importante poder sentir que está frio e vestir um casaco, é bom saber que serei socialmente reprovado se for nú para a rua -, a verdade é que este conhecimento não inspira muita confiança quando se trata de fazer ciência. Isto é, se eu estiver interessado em construir conhecimentos que possam servir todos os indivíduos por igual, não posso basear-me nos sentidos, que falham, mas na razão, igual em todos os seres humanos independentemente da cultura a que pertencem. Quer isto dizer que o conhecimento científico é metódico, universal e desejavelmente objetivo. Metódico, porque as observações da realidade são sistemáticas e previamente preparadas, conduzidas com método e interessadas, isto é, os cientistas sabem o que procuram, não se trata de um registo ocasional e sem ordem como se passa no registo dos sentidos. Universal, porque o conhecimento científico vale para todos de igual forma, ou seja, a ciência estabelece leis, tenta afastar-se das variações fisiológicas entre cada um e entre cada cultura - ao cientista interessa o que é o quadrado, figura geométrica com quatro lados iguais cujas diagonais se cruzam rigorosamente ao centro, e não a importância do quadrado na cultura x ou y - . Desejavelmente objetivo porque o investigador, quando observa e estabelece as leis científicas, deve tentar abstrair-se de si, isto é, pôr de lado aquilo que o torna um sujeito individual e cultural - as suas limitações físicas, os seus sentimentos, as suas convições e pessoais, os valores da cultura a que pertence -, de modo a que a observação seja um registo da realidade tão fiel quanto possível, daí também que se socorra frequentemente da tecnologia.

domingo, 2 de outubro de 2011

. A Psicologia e as outras ciências





A vastidão e complexidade do objeto de estudo da Psicologia faz com que tenha de socorrer-se do saber de outras áreas científicas. A Biologia, a Etologia, a Sociologia, a Antropologia, a História, a Medicina e a Informática, são exemplos disso mesmo:



1) A Biologia, nomeadamente as investigações no domínio da genética e dos sistemas nervoso, endócrino e imunológico, todos presentes na maioria dos nossos comportamentos;


2) A Etologia, ou seja, o estudo do comportamento animal, é importante porque permite perceber a influência da hereditariedade, da fisiologia e das condições ecológicas no comportamento humano enquanto primata que também é;



3) A Sociologia, ao estudar a importância dos grupos como factor de coesão social e o processo de socialização, permite compreender o peso dos factores sociais na produção dos comportamentos individuais;


4) A Antropologia, ao estudar as crenças e instituições, sobretudo o modo como variam de cultura para cultura, permite compreender o peso da cultura e dos valores na produção de comportamentos e na construção da nossa personalidade;



5) A História, entre outras coisas, permite compreender as mudanças que se vão dando nas mentalidades, o que tem naturalmente reflexos na vida de cada um enquanto ser histórico e do seu tempo;




6) A Medicina é importantíssima, uma vez que é ela que permite actuar quando os processos mentais que se convertem em problemas psicossomáticos, isto é, problemas mentais - psyche - com consequências na saúde do corpo - soma -.



7) A Informática é importante porque permite fazer um tratamento mais rápido e rigoroso dos dados obtidos nas mais diversas investigações. Para não falar da sua massificação, que veio alterar muitos aspectos da nossa vida profissional e social, o que não pode passar despercebido ao psicólogos.




Conclusão: o mesmo fenómeno pode ser estudado de múltiplas perspectivas - histórica, sociológica... - e a Psicologia socorre-se de todas elas, daí ser considerada uma ciência transdisciplinar.





. O objeto de estudo da Psicologia



O objeto de estudo de uma disciplina é aquilo a que essa área específica se dedica. No que diz respeito à Psicologia, uma ciência relativamente recente, não é diferente. Se fizermos uma abordagem etimológica da palavra, isto é, se formos ver o que a palavra psicologia significa, verificamos que a Psicologia é o estudo - logos - da alma ou espírito - psyché -. Mas isso é muito vago, porque o termo alma é ambíguo e pode significar muitas coisas diferentes. Hoje em dia, porém, os psicólogos preferem falar em mente, o que remete para algo de interior e invisível, como acontecia com a ideia de alma, e em comportamentos, esses visíveis. Ficando então estabelecido que a Psicologia tem como objeto de estudo os processos mentais - pensamento, emoção, sentimento, perceção, memória, inteligência, motivação... - , as atividades que envolvem processos mentais, como a aprendizagem, os comportamentos, parcialmente motivados por esses processos mentais - ler, chorar, andar, dormir... -, e todos os fatores que contribuem para a construção da personalidade - sistema nervoso, cultura, experiências pessoais -. Um objeto, portanto, muito complexo, e que por isso recorre ao saber de outras disciplinas.